Carregamos demasiadas emoções por este mundo fora. Por vezes, transcrevê-las em palavras, é a única forma de entender a sua essência. A escrita ajuda a ver a sua origem e permite uma convivência mais pacífica. Quando nos penteamos vemos o corpo no espelho, quando escrevemos sobre emoções, é a alma que se reflete.

Blog escrita criativa
A MALTA DO TRIPLEX

Ao sucumbir na nostalgia, partilho o texto que escrevi há três anos atrás para os meus amigos, quando tivemos que nos despedir da casa de estudantes em Lisboa, onde partilhamos intensamente cada momento. Depois disto, cada um seguiu o seu caminho, mas a emoção que nos une há de acompanhar-nos para o resto da vida. Foram bons tempos, que nunca mais virão e que nos marcaram a todos da forma mais positiva possível!
O triplex nem sempre foi um triplex. E a malta do triplex nem sempre foi um grupo, nem sempre foram amigos, nem sempre foram conhecidos, nem sempre… Caramba, já se passaram tantas coisas, já são tantas memórias e tantas emoções que dou por mim a pensar no passado e a dar-me conta de que não sou capaz de me manter a par de tudo o que vivenciámos em conjunto. Em vez de memórias concretas de todos os pormenores de cada minuto que vivemos juntos, acabamos por ficar com um rodilhão de emoções, algo de pouco concreto no nosso ser mas que acaba por nos formar e dar os contornos e retoques finais daquilo que somos e que nunca antes fomos.
Crescemos uns com os outros, sempre tentando estar de mãos dadas em vez de costas voltadas. Quando viemos para Lisboa, bebés prontos a voar do ninho, acabámos por encontrar uns nos outros o apoio que nos permitiu sobreviver numa cidade que, no primeiro embate, nada mais era que um conjunto de prédios todos iguais e ruas com demasiada confusão. “Drika, achas que consegues reconhecer o Arco Cego?” Ansiosa, a olhar pela janela do autocarro, disseste-me que sim. O que nos valia é que, no meio de tanta atrapalhação, pudemos sempre contar com a ajuda imprescindível da “mamã Sara”. Primeiro éramos as três da vida airada, depois os quatro da vida airada, depois os cinco da vida airada e por aí fora, até que deixámos de contar e passámos, simplesmente, a ser a “malta do triplex”.
Agora vai cada um para seu lado, mas sem conseguir evitar ter um bocadinho dos outros dentro de si e seguirá, certamente, com aquilo que aprendeu nos seus cursos e na partilha de conhecimentos, amizades e profundos disparates.
Um a um.
Sara, no meio da minha desarrumação, dos projetos de elevadores e asteroides a explodir que nunca acabavam, aprendeste que a vida é dura. Que, mesmo quando estás extenuada, acabas por ter sempre alguém em casa que te suplica com o olhar só mais um jantar, só mais um miminho.
Drika, na reviravolta que a faculdade é na exigência repentina que teima em surgir (tipo, está a chover mas isso não é desculpa para ficar a dormir), acabaste por erguer a cabeça, aprender como te fazer à vida e, mais importante, como lidar com o ébrio.
Diogo, com a árdua tarefa de ter que lidar com duas irmãs que às vezes discutiam por causa dos pacotes de leite Matinal, penso que exercitaste a tua calma, mostraste a tua sabedoria do silêncio e aprendeste a desenhar caracóis e a fazer origamis como mais ninguém.
Mário, penso que todos vimos nascer em ti um novo amigo, alguém capaz de partilhar as xixas e o jogo das “putas assassinas” e que, como insisti em reforçar na célebre bebedeira do dia em que a Sara se tornou engenheira, “foste uma bela aquisição”.
Agora a Rute. É pena que a Rute tenha imigrado lá para as Alemanhas. Penso que ela, mais do que aprender entre nós, ensinou-nos que devemos sempre lutar honestamente pela nossa dignidade profissional e que tal é possível, mesmo quando se tem apenas um metro e meio.
Margarida. Vimos nascer em ti uma alma de artista. Vieste substituir o lugar da Rute, e outra melhor aquisição não podia haver. Aprendeste entre nós a ter paciência quando nos esquecemos que estão pessoas a dormir no 3º andar, a apreciar os reality shows cheios de gritaria e a tomar conta de um peixe mesmo quando outros quase que o matam sem querer.
E pela minha parte... Aprendi a desenrascar-me quando é preciso e a contar com a ajuda de todos vocês quando não consigo. Para além de, claro, encontrar em mim a força para enfiar o braço até ao ombro pelo rabo a dentro de uma vaca, levar um peidinho na bochecha e ser capaz de me rir da situação com todos vocês.
A nós. À boa comida e ao trabalho sofrido, à sangria e à cerveja, ao leite e aos origamis, às “putas assassinas” e à xixa, à nossa dignidade, às tintas e ao glorioso 3º andar, à merda e à amizade. Vamos brindar. A casa são as paredes. Mas o triplex somos nós. À malta do triplex!
20/06/2017